Apesar da tenra idade o
Milhões de Festa já não é uma experiência incerta. É sim um fenómeno inexplicável (ou talvez não) já consagrado e bem cimentado no panorama festivaleiro nacional. Barcelos está definitivamente no mapa!
O segredo? A coisa que salta mais à vista talvez seja a aposta em nomes que, em geral, mais ninguém se atreve a trazer. Hoje, estou em condições de dizer que não é só isso. Na verdade o que o
Milhões tem de mais especial - à semelhança do que acontece em
Paredes de Coura - não dá para imprimir num cartaz - só se descobre estando lá. Muito longe da massificação dos outros festivais, o
Milhões de Festa é, queira-se ou não, um festival de nicho. Contabilizar cerca de 3 mil pessoas por dia parece quase irrisório num mundo governado por
Alives ou
SBSRs com lotação esgotada. O
Milhões justifica plenamente a existência da velha máxima: mais valem poucos e bons do que muitos e fracos.
Sim, grande parte dos nomes são 'desconhecidos' - este é um argumento que não se rebate,
Milhões de Festa é assim mesmo, assume-se como o verdadeiro festival alternativo do país e destrona
Paredes de Coura de uma posição que ocupou durante anos. Que outro festival tem os tomates para, no mesmo cartaz, incluir nomes tão díspares como
Zu,
Liars,
Secret Chiefs 3,
Papa Topo,
Pega Monstro,
Bob Log III,
Graveyard,
Throes+The Shine,
Anti-Pop Consortium,
ÆTHENOR,
Bikini Beach Band, etc. etc.? Pessoalmente eu nem gosto disto tudo, mas admiro a coragem de misturar todos estes nomes e fazer com que resultem num cartaz coeso e que, apesar da grande variedade se nota que, embora improváveis, todas as escolhas são feitas com critério - fica claro que o
Milhões não é o
Sudoeste.
Infelizmente, por motivos profissionais - os mesmos que condicionaram a escrita deste
post e o atrasaram uma semana - só no Sábado me pude estrear neste carismático festival. Dada a minha curta estadia em Barcelos não pude vivenciar devidamente aquele ambiente que está muito rapidamente a atingir um estatuto quase lendário. Foi claramente uma experiência milionária embora tenha de ressalvar que um só dia sabe realmente a pouco!
A minha tarde começou, junto à piscina entre amigos, cervejas e mojitos bem embalado pelos acordes suaves dos bracarenses
Long Way to Alaska - muito propícia a uma das actividades preferidas de um bom festivaleiro: relaxar à sombra sentadinho na relva. Depois de umas agradáveis horitas neste ambiente descontraído mudei-me de armas e bagagens para o recinto principal onde as hostilidades seriam abertas por um electrizante concerto de
Tigrala.
De notar o adjectivo que utilizei na frase anterior para descrever o concerto - electrizante. Este não foi de todo o concerto que esperava. Como pode ver-se no vídeo acima, no
Milhões de Festa a banda cuja formação improvável integra
Norberto Lobo,
Guilherme Canhão dos
Lobster e o percursionista mexicano
Ian Carlo Mendoza não se apresentou no seu habitual registo acústico mas sim ligados à corrente. Com esta dose extra de electricidade
Norberto Lobo e
cia. imprimiram bastante energia naquele fim de tarde nas margens do rio Cávado - pena que não houvesse ainda muita gente no recinto a testemunhar este espectáculo.
Do palco
Milhões segui para o palco
Vice onde, pensava eu, iria ouvir o
chillwave de
Millionyoung (um nome perfeito para actuar neste festival não é?) mas a sua actuação foi adiada sensivelmente uma hora para ocuparem o lugar que as
Kim Ki O deixaram de vago quando cancelaram o concerto (falha que viria a ser compensada no dia seguinte). De 'mãos a abanar' regressei então ao palco
Milhões onde os
Causa Sui estavam a iniciar a sua viagem cósmica. O veículo para essa viagem foi o seu rock instrumental carregado de psicadelismo a fazer lembrar os barcelenses
Black Bombaim. Findo o concerto, que começou morno mas ganhou força, foi então (agora sim) a vez de
Millionyoung actuar. A sonoridade dançante de
Mike Diaz - importada directamente da Florida - apesar de carregada de raios de sol acabou por beneficiar com a mudança de horário e caiu especialmente bem naquele início da noite com toda a gente a dançar convicta de que assistiam a uma das revelações da noite.
Enquanto os
Kafka - a tocar em casa - actuavam no palco principal fui buscar qualquer coisa para comer. Não posso deixar de referir que espectáculo não me pareceu particularmente entusiasmante mas, em boa verdade, uma vez que não estava a prestar muita atenção, esta observação pode ser um bocado injusta. Pelo contrário, 'pouco entusiasmante' é uma expressão que não se pode aplicar ao concerto dos
AntiPop Consortium - já no palco
Vice. Apesar da demora inicial, os norte-americanos - mestres de um
hip-hop da velha guarda - conquistaram a audiência com a sua presença em palco.
Vivian Girls, Zu e Secret Chiefs 3 por Maria Louceiro
De volta ao palco principal já as
Vivian Girls estavam a tocar quando lá cheguei. Não sei ao certo se por
AntiPop Consortium ter sido tão bom ou se por as meninas terem dado mesmo um concerto desispirado, não me consegui entusiasmar com a sua música. Contei os minutos até chegar a hora de regressar ao palco
Vice para encarar de frente os colossos italianos do
jazzcore - como baptizaram o estilo dos
Zu.
Com uma formação invulgar de bateria, baixo e saxofone, os
Zu provaram que não são precisas guitarras para
rockar forte e feio. Um concerto avassalador capaz de deixar qualquer um totalmente desarmado. Intenso e barulhento q.b., assim foi um dos concertos da noite.
O meu último percurso deste autêntico 'vai-vem' entre palcos foi feito no sentido do palco
Milhões com o objectivo de ver os míticos e também místicos
Secret Chiefs 3. Os ouvidos ainda zumbiam da intensidade de
Zu mas seu
rock instrumental carregado de influências de todo o mundo (na noite anterior tinham mesmo encabeçado o cartaz do
Festival de Músicas do Mundo em Sines) caiu que nem ginjas. Vejo-me mais uma vez sem palavras para descrever um concerto - começa a tornar-se frequente embora não me preocupa, é bom sinal. Liderados por
Trey Spruance e envergando os hábitos de monge que são a sua imagem de marca, os
Secret Chiefs 3 levaram Barcelos numa exótica volta ao mundo onde não faltaram visitas ao médio oriente e um saltinho ao faroeste capaz de deixar
Ennio Morricone orgulhoso.
Findo o espectáculo dos
Secret Chiefs, olhei para o relógio constatei desapontado que este indicava que as horas já iam demasiado avançadas. Dei então por terminada a minha passagem pelo
Milhões de Festa - tinha de ser, afinal ainda tinha de regressar a casa. Deixei para trás Barcelos onde festa haveria ainda de continuar até de madrugada com o festão que - dizem as más línguas - foram os concertos de
Bob Log III e
Matanza... um só dia não chega para tudo. Despedi-me - até para o ano, Barcelos.
Das melodias delicodoces dos
Long Way to Alaska ao poderio sonoro dos italianos
Zu vai uma distância enorme - o mesmo se poderia dizer do misticismo dos
Secret Chiefs 3 ou das rimas dos
AntiPop Consortium - mas é disto mesmo que é feito um festival.
Milhões de Festa, um dos grandes!