Saturday, July 14, 2007

Los Angeles, Lynch

David Lynch, nascido em inícios de 1946, é um artista americano multifacetado (ele realiza, ele escreve, ele pinta, ele faz tudo e mais alguma coisa). Nomeado três vezes para os Óscares pela realização dos filmes Elephant Man, Blue Velvet e Mulholland Drive, Lynch já arrecadou prémios em Cannes e em Veneza e foi considerado em '92 pela revista Time "the Most Influencial Filmmaker".

Depois de ver a série de culto Twin Peaks (quase toda e ainda falta ver o filme) fiquei fascinado por este homem. Então, tendo surgido esta iniciativa do Cineclube de Joane de fazer um especial David Lynch não pude deixar escapar a oportunidade de ver o Mulholland Drive (considerado a obra prima de Lynch) e o Inland Empire (o seu mais recente projecto).

Duas noites, dois filmes e duas valentes comidelas da cabeça! Ambos os filmes são puras mind-fucks (expressão que é inclusivamente utilizada no Inland Empire) e verdadeiras obras de arte cinematográficas.

Os dois filmes têm vários pontos em comum, ambos são histórias de amor e seguem as ambições de uma actriz (num dos casos uma jovem actriz que quer atingir o estrelato e noutro uma já madura que quer fazer um comeback) e ambos se passam em Los Angeles e levando a homicídios. Isto em termos muito superficiais porque há sempre elementos recorrentes nas obras de Lynch (os candeeiros, os telefones, a cor vermelha, as mamas etc.).


MULHOLLAND DR.


É acima de tudo, como já foi dito, uma história de amor. Mulholland Dr. é um filme recheado de pormenores e significados ocultos que quanto mais tentamos aprofundar mais nos seduz e surpreende.
Não estou a exagerar quando digo que TUDO no filme tem o seu significado específico e que é importante para entender a história no seu todo (até a ordem pela qual aparecem os nomes nos créditos finais).

Eu não vou entrar aqui em análises da história em si ou explicações porque penso que o entendimento do Mulholland Dr. é algo que cada um deve fazer por si e não quero tirar esse gosto a ninguém.

Depois de algumas cenas que à primeira vista nos parecem absolutamente bizarras (mas que mais tarde percebemos que fazem todo o sentido), deparamo-nos com uma tentativa de homicídio que corre mal (e cuja vítima ficou com amnésia) e com a chegada de Betty (aspirante a actriz) a Los Angeles.
Por coincidência Betty e Rita (nome que a personagem amnésica escolheu) acabam por se encontrar e iniciam uma busca para descobrir a verdadeira identidade de Rita, pelo meio é-nos mostrada uma conspiração e outras cenas aparentemente sem significado.

Toda a acção do filme decorre bastante bem até pouco mais de metade. Aparenta ser uma história Hollywoodesca com vários toques excêntricos, cenas exageradas e psicadélicas e cenas de sexo lésbico, mas ainda assim, relativamente normal. Até que...

... numa altura que pensávamos que iamos descobrir toda a verdade por detrás do mistério de Mulholland Dr. e da identidade de Rita o filme troca-nos as voltas por completo e Lynch mostra o seu génio. A descoberta de uma caixa azul leva ao desaparecimento de Betty e, assim que a caixa é aberta, all Hell breaks loose (como dizem alguns).

Tudo o que pensavamos conhecer acerca dos personagens muda e o espectador volta à estaca zero em que é tudo novo e nada parece fazer sentido. Esta nova fase do filme é muito mais psicadélica e então a parte final é quase insana.

Esta é uma obra prima do cinema e é, para muitos, o melhor trabalho de Lynch.
Quero é salientar uma coisa, apesar de eu ter entendido a globalidade do filme estou ainda longe de uma compreensão total e posso dizer que existem cerca de vinte teorias cada uma delas com uma interpretação diferente do filme.
Creio que Mulholland Dr. é uma experiência com muita subjectividade excelente para quem quiser perder (ganhar?) um bocadinho de tempo a pensar.



INLAND EMPIRE


Inland Empire...
... vai ser difícil reúnir palavras para descrever este filme.
Filme não... isto não é um filme, é uma experiência, uma experiência que dificilmente vou esquecer!!

Esta é a obra mais recente de David Lynch e, animado pelo Mulholland Dr. e com a curiosidade espicaçada por uma crítica que dizia algo do tipo "este filme não aparenta ter diálogos, personagens ou sequer um argumento. Mas isso não são própriamente pontos negativos.".
Quando li a crítica fiquei completamente "wtf?!" mas agora que vi o filme sou obrigado a concordar!

Ao contrário do Mulholland Dr. este não "engana" ninguém e entra a matar logo desde início com cenas absolutamente psicadélicas e aparentemente non-sense.

Novamente surge-nos o pretexto de uma actriz, Nikki Grace, que quer subir na carreira, mas desta feita é uma actriz veterana, que já esteve no mundo do cinema mas que quer voltar. Para isso faz uma audição para o filme "On High in Blue Tomorrows" e acaba por ficar com o papel.
Nesse filme Nikki vai contracenar com Devon, um galã de Hollywood (que aparentemente se envolve romanticamente com todas as actrizes com quem contracena). O problema é que o marido de Nikki é um homem muito poderoso que ameaça Devon para não se envolver com ela.

Antes de saber que tinha ficado com o papel Nikki recebeu a visita de uma polaca de idade que dizia ser vizinha. Conversaram durante um bocado sem se entender muito bem o que estava a ser dito até que a senhora lhe conta uma espécie de lenda ou profecia que vai tomando forma ao longo do filme.

Estava a decorrer o primeiro ensaio e encontrava-se Nikki reúnida com Devon, com o realizador (Jeremy Irons) e com o seu assistente quando Freddy (o assistente) vê alguém no estúdio, que supostamente estava reservado só para eles. Devon prontifica-se a ir ver quem era mas apenas vê uma sombra e a pessoa desaparece algures no cenário. O realizador aproveita esta deixa para revelar aos dois protagonistas algo que a produção lhe tinha ocultado, que era o facto de o filme estar amaldiçoado e ser na verdade um remake de um outro filme que nunca chegou a ser terminado devido à morte dos dois protagonistas. Nikki e Devon não se deixaram assustar e seguiram com as gravações.
Inland Empire vai decorrendo (sempre recheado de grandes explosões de luz e momentos de tensão) e vai sendo cada vez mais difícil para o espectador, e para a própria Nikki (que se vai apaixonando pelo Devon, ou terá sido pelo seu personagem?), distinguir entre a vida real e as gravações do "filme-dentro-do-filme".

A história em si é simples, mas não é nada linear devido depois a uns quantos de twists que vão acontecendo e pela forma como é contada. Pelos mesmos motivos do Mulholland Dr. não vou desvendar os seus segredos.

Inland Empire é muito mais surrealista do que Mulholland Dr. e é também bastante mais "pesado" e tem cenas bem mais fortes. Neste filme Lynch cria suspense e tensão a toda a hora e tem muitos momentos ao bom estilo Hitchcockiano com suspense de cortar respiração. Tudo neste filme é mais sombrio e arrepiante e tudo ajuda a criar esse efeito, os cortes bruscos (tanto de imagem como de som), as luzes psicadélicas, a música assombrosa, as imagens violentas etc.

Para além disso, o facto de ter sido rodado em vídeo caseiro digital confere a Inland Empire um aspecto ainda mais puro (menos artificial) e a sensação de tudo ser real e, consequentemente, mais assustador.

Quero ainda realçar a prestação da Laura Dern, que protagoniza o filme praticamente sozinha, e a banda sonora absolutamente sublime que, nos momentos certos, intensifica exponencialmente as emoções que sentimos ao ver o filme.

Inland Empire não é tanto um filme carregado de simbolismos e em que tudo é importante como o Mulholland Dr.. É bastante mais linear, apesar de, no seu todo se tornar bastante mais confuso.

David Lynch teve também a inteligência de passar imagens durante os créditos e dessa forma prender a audiência até ao derradeiro fim. Essas cenas que passaram durante os créditos não faziam parte da história do Inland Empire, eram mais uma espécie de piada em que apareciam referências a vários dos filmes de Lynch, tudo isso ao som da fantástica Sinnerman de Nina Simone. Várias pessoas aparecem a dançar e a cantar a música. Essas pessoas incluiam personagens do filme (inclusivamente algumas que apenas tinham sido mencionados) ou participações especiais como Laura Harring (Rita do Mulholland Dr.) ou mesmo o Ben Harper no piano.


Sinto que não tenho capacidade de transmitir em palavras o que senti a ver qualquer um destes dois filmes e a forma como gosto deles portanto creio que o melhor seja que os vejam por vocês próprios mas tenham em atenção uma coisa: David Lynch, ou se ama ou se odeia, não há meio termo (portanto se odiarem não venham resmungar).

13bly

1 comment:

Pedro C. Reis said...

ainda estou para ver onde foste arranjar a linearidade em inland empire..
a piada destes filmes está em encontrar uma explicação logica para o mesmo.. coisa q eu axo dificil ou mesmo impossivel..
À custa disto Lynch deixa-nos em pulgas ao entrar para a sala de cinema e inventar qq teoria q encaixe no filme.. coisa q ao fim de 60 min s torna impossivel e passamos a nossa humilde resignação..
Mas n ha duvidas.. Lynch é um génio dentro dele mesmo, com um grande grupo d admiradores e outros tantos q o odeiam:D