Monday, January 10, 2011

Sexo, drogas e neons (pela ordem que quiserem)


AVISO: O visionamento de Enter the Void é altamente desaconselhável a epilépticos.

Volta e meia aparece um filme visionário e diferente de tudo o que já foi feito. Enter the Void é um desses filmes. Durante quase duas horas e meia Gaspar Noé leva-nos por uma viagem única, simultaneamente espiritual e psicadélica. A louca cidade de Tóquio, de tão carregada de neons, revela-se o ambiente perfeito para melhor fazer sobressair a estética tão própria deste filme (alegadamente inspirada por algumas experiências com substâncias psicotrópicas que Gaspar Noé terá tido na sua juventude).




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Gaspar Noé não é pessoa para narrativas lineares. Em Irréversible optou por contar a história de trás para a frente - aumentando assim a sensação de inevitabilidade - e agora, com Enter the Void fragmenta a narrativa e mistura a linha temporal passando com facilidade do presente para o passado ou para algum sonho ou alucinação.
Também este filme, como Irréversible (embora talvez não de uma forma tão memorável) contém imagens chocantes e explícitas. Estas parecem ser já uma imagem de marca de Noé que gosta de expor situações incómodas para o espectador com grande crueza (apesar do visual elaborado no caso de Enter the Void).

Uma outra característica de Noé é fazer uso do próprio movimento da câmara como forma de melhor transmitir as emoções da narrativa. Até um certo grau todos os realizadores fazem isto mas a forma de Noé fazê-lo é mais explícita. Pegando novamente nos mesmos dois exemplos, nos primeiros (cerca de) 15 minutos de Irréversible há uma grande tensão nervosa e sensação de urgência no ar. A câmara é então extremamente irrequieta, também ela nervosa, chegando a causar dores de cabeça e a provocar algumas desistências em quem vê o filme (eu próprio pensei em desistir). Com a progressão do filme (e regressão da história), as coisas vão acalmando então a câmara 'normaliza'.

Em Enter the Void esse artifício é ainda mais evidente porque, até determinado momento, o filme passa-se na primeira pessoa, ou seja, vemos o que o personagem principal - Oscar - vê. Ele pestaneja e o ecrã fica preto por um instante, tem comichão na testa e a mão passa à frente dos olhos, toma drogas e a sua percepção altera-se. Com a morte de Oscar (isto não é grande spoiler porque acontece logo no início e até se vê no trailer), a câmara liberta-se e assume o papel da sua alma tornando-se assim omnipresente e capaz de sobrevoar a cidade, atravessar paredes para ir de encontro ao restantes personagens e revisitar eventos do seu passado.


Com Enter the Void Gaspar Noe criou uma obra carregada de simbolismo e subjectividade - introduz os conceitos de morte, alma e ressurreição com base no Livro Tibetano dos Mortos, mas estes conceitos podem ser vistos por outro prisma e a interpretação de grande parte do filme fica, de certa forma aberta à visão e à crença de cada um. O próprio conceito de 'void' (vazio) tem várias interpretações possíveis no filme, algumas bem concretas e outras mais esotéricas.

Devo dizer no entanto que, apesar de ter gostado muito do filme e da experiência que este proporciona, achei a sua duração um pouco excessiva, apesar de compreender que fazem parte da estética do filme, parece-me que o uso das cenas de transição (aquelas em que a câmara sobrevoa a cidade) foi também exagerado. Em contraste com isto é de louvar o uso repetido de uma versão assombrosamente bela de Canon de Pachebell (que se ouve nos primeiros segundos do trailer).

Enter the Void é uma obra singular com um visual único. Como se lê no trailer, Gaspar Noé mostra-nos algo que nós nunca vimos e nem todos os cineastas se podem gabar de o ter feito.

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