Thursday, March 3, 2011

A tradição ainda é o que era


Numa era em que as tecnologias e os computadores ditam todas as regras é extremamente refrescante ver filmes de animação tradicional como Les Triplettes de Belleville e L'Illusionniste. Não que a animação 3D seja má, não digo isso, mas estes em particular têm uma magia especial.

Sylvain Chomet gosta muito do que faz e isso transparece nos seus filmes. Só um grande amor e um grande respeito pela arte conseguem explicar os milhares de pormenores subtis que Chomet espalha meticulosamente pelas suas obras. Digo pormenores mas de certa forma, pela verdadeira definição da palavra, não o são de todo. Há quem diga que é nos ditos 'pormenores' e no cuidado e atenção com que foram trabalhados que reside a essência de uma grande obra (cinematográfica ou não). Se esta afirmação é aplicável à grande generalidade dos filmes, é particularmente verdade para as obras de Chomet.

LES TRIPLETTES DE BELLEVILLE

Curiosamente protagonizado por uma família portuguesa emigrada em Paris Les Triplettes de Belleville é um filme divertido cheio daquele non-sense maravilhoso que nos faz acreditar que tudo é possível.
Nesta aventura deliciosamente recheada de subtilezas, Madame Souza parte em busca do seu neto - um apaixonado por bicicletas desde pequeno - que acabou raptado por mafiosos enquanto participava no Tour de France. Auxliada pelo cão Bruno e pelas trigémeas de Belleville - que conhece durante a busca - Madame Souza tudo fará para salvar o 'seu menino'.

Brilhantemente animada e musicada esta história é contada praticamente sem recurso a diálogos. A verdade é que estes não fazem falta nenhuma - as expressões e gestos dos personagens, acompanhados por música à altura, falam por si. É caso para dizer "palavras para quê?".

L'ILLUSIONNISTE
L'Illusionniste (O Mágico em português) é, passo o pleaonasmo, uma história mágica. Não é tão exuberante como a aventura de Les Triplettes de Belleville - nem de longe - mas para mim isso foi um ponto a favor. Apesar dos elementos de comédia L'Illusionniste é mais tocante, mais sentimental, feito para ser saboreado sem pressas na sua melancolia reservada.

Escrito por Jacques Tati sob a forma de carta à sua filha mais velha (com quem não mantinha grande relacionamento) L'Illusionniste é uma história que ele nunca chegou a concretizar em filme. É sem sombra de dúvida uma grande responsabilidade esta de pegar num argumento de Jacques Tati. Apesar disso, mais do que estar à altura do desafio, mas Chomet, provou ser o homem certo para ele.
Os fãs de Tati sentir-se-ão em casa, não só pelo personagem ser moldado à sua figura e retratar na perfeição os maneirismos que tanto o caracterizavam mas também pelo tipo de situações humorísticas e pela grande atenção que foi dada aos detalhes. Mas depois, para além disso, L'Illusionniste tem uma faceta mais desconhecida da escrita de Tati. Ao contrário de grande parte da sua obra, este filme é pautado por uma lenta melancolia 'de quem mói um sentimento' - talvez motivada por algum remorso em relação à relação com mantinha com a filha.

Sinto-me um pouco sem capacidade para descrever a beleza quase poética de L'Illusionniste e a resposta emocional que ele despertou em mim. Há filmes em que, por motivos inexplicáveis surge algum tipo de ligação mais profunda e este foi claramente um desses casos. Magnífico!

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P.S.- L'Illusionniste bateu-me com muita mais força do que o aclamadíssimo Toy Story 3 (do qual ainda assim gostei bastante). Fica então aqui a notinha (algo polémica) de que teria ficado bem mais satisfeito se, em vez deste último, L'Illusionniste tivesse ganho o Oscar para Melhor Filme de Animação.