Fotografias 1,2 e 3 © Hugo Lima | Fotografia 4 © Paige K. Parsons
O céu limpo, o sol brilhante e as temperaturas elevadas (mas não exageradas) deixavam antever que o segundo dia do Primavera teria uma história diferente do primeiro. Bom, talvez o alinhamento extraordinário de bandas em praticamente todos os palcos também tenha tido alguma coisa a ver com isso. Mas adiante, este era o Dia D do Primavera e, por incrível que pareça, as minhas elevadas expectativas não saíram defraudadas. A única coisa "má" a apontar é que, depois de uma quantidade abusiva de grandes concertos quase sem tempos livres se chega ao final da noite absolutamente estourado. Comecemos então pelo início.
É difícil desmentir que os Linda Martini dão excelentes concertos e que são uma das bandas nacionais que melhor se encaixam num Primavera Sound ('cá dentro' ou 'lá fora', como se provou em Barcelona na semana antes da edição portuense). Apesar de todos esses atractivos, para poupar energias para o resto da noite, optei por vê-los ao longe, enquanto aproveitava o sol e a relva (ainda verdejante) do Parque da Cidade. Daí rumei ao palco ATP onde onde os Tall Firs iriam inaugurar o espaço. Esta dupla nova iorquina, num registo mais suave, fez lembrar Thurston Moore - uma referência que não é de todo descabida visto que estes são editados pela Ecstatic Peace!, a editora do ex-Sonic Youth. Esta foi a banda sonora perfeita para continuar deitado ao sol sobre uma relva fresquinha como quem faz fotossíntese e carregava as baterias para a noite intensa que se avizinhava - afinal, daí a nada, os Yo La Tengo iriam iniciar um dos maiores e melhores encadeamentos de concertos de que há memória num festival (essa sequência incrível de concertos só viria a terminar aí pelas 3:30 da manhã com M83/Thee Oh Sees).
Resultado dalgum estranho cruzamento entre uns Belle & Sebastian e uns Sonic Youth, os Yo La Tengo conseguem reunir simultâneamente a doçura melódica dos primeiros e a distorção sem regras dos segundos. Se ao longo do concerto ainda ficou alguém por convencer em relação à afirmação anterior (mesmo com Mr. Tough, Autumn Sweater e Sugarcube como amostras), no final - depois dos intensos 20 minutos de Pass the Hatchet, I Think I'm Goodkind seguidos pela delicada My Little Corner of the World - isso deve ter ficado bem claro. Apesar de ser o meu segundo concerto da banda, ainda não foi desta que consegui ouvir You Can Have It All, mas se até o Wayne Coyne e o Steve Drozd (dos Flaming Lips) gostaram, quem sou eu para me queixar desse pormenor insignificante.
Foi com algum desgosto da minha parte que abdiquei de Rufus Wainwright para ir jantar - é esse o preço a pagar por tantos e tão bons concertos. Foi pena, até porque, dos bocados que vi, deu para perceber que estava a ser um excelente espectáculo e que Rufus estava satisfeito. Ainda assim não se perdeu tudo e ainda deu para ouvir a Hallelujah enquanto me posicionava em frente do palco vizinho como bom fanboy dos Flaming Lips. Enfim, dentro de poucos minutos já nada disso teria importância pois eu iria estar totalmente absorvido pela exuberância da banda de Oklahoma. Quanto a estes, a dúvida que muitos levantavam era se, num espectáculo de música, há lugar para confettis, balões, lasers, jovens tirolesas e acessórios diversos. A resposta - dou-a eu - é "Sim, se esse espectáculo for dos Flaming Lips.". A excentricidade visual é indissociável da banda Wayne Coyne e da música que esta produz pelo que, no universo psicadélico dos Flaming Lips, esses excessos circenses fazem todo o sentido. Resumindo: FINALMENTE VI OS FLAMING LIPS(!!) e foi um dos concertos da minha vida!
Sem tempo para deixar o coração descompassado abrandar (ainda batia forte da festa que foi a Race for the Prize e Do You Realize?), era a hora de mudar mais uma vez de palco. O destino era agora o palco Optimus onde os Wilco teriam a difícil tarefa de suceder aos Flaming Lips. Qual campeã olímpica de salto em altura, a banda de Jeff Tweedy nem deu pela fasquia elevadíssima e atacou desde logo o coração dos melómanos presentes. Com um alinhamento baseado no mais recente Whole Love (mas ao qual não faltaram clássicos como Impossible Germany, Via Chicago e, claro está, Jesus, Etc.), esta banda de Chicago deu um dos melhores concertos do festival (mérito acrescido por não precisarem de confettis e outras parafernálias). Sem espinhas mesmo.
No fim de Wilco fui estrear o palco Club pois, embora até já os tivesse visto era nesse palco que actuavam os Beach House. Graças ao enorme hype que acompanha o duo de Baltimore (merecido, diga-se), não fui o único a ignorar os Walkmen e assistiu-se, no Primavera, a um autêntico êxodo rural no sentido da grande tenda alcatroada, erigida como um oásis de urbanidade no meio da paisagem campestre do Parque da Cidade. Foram, então, milhares as pessoas que encheram, em minutos, aquele espaço que, rapidamente, se tornou pequeno demais. O poder do hype foi tanto e tão grande que, apesar de todos os grandes concertos deste festival, o único momento em que me senti apertado foi no meio da fofura e do embalo de um concerto dos Beach House. Tanto Victoria Legrand como o seu companheiro Alex Scally (aqui com a ajuda de um baterista) provaram estar em boa forma, pena que apenas tenham tocado temas de Teen Dream e, claro está, do novíssimo Bloom. Mais um grande concerto a somar à já extensa lista do Primavera.
Ao fim de Beach House já só pensava na cama (e não, não tem nada a ver com a Victoria). Ainda saltei entre a electrónica de M83 no palco Optimus e a electricidade dos Thee Oh Sees no ATP mas, apesar de me estarem ambos a parecer bons espectáculos (cada um no seu género, claro), nem um nem outro me conseguiram recarregar baterias. Lá me consegui aguentar até ao grandioso final de M83 e fui para 'casa' descansar.
O dia seguinte não prometia tanto como este que agora acabava (nem as coisas viriam a correr tão bem) mas verdade seja dita: dificilmente poderia ser tão bom e, sejamos realistas, nada é tão perfeito assim.
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