"I tell ya, it's gonna be a champagne year."
St. Vincent - Champagne Year
(Takashi Murakami @ Château de Versailles)
Nicolas Jaar foi para mim uma das grandes (se não mesmo a maior) descobertas/revelações de 2011. O cardápio de Jaar já somava uma série de EPs mas só agora lançou o seu primeiro longa-duração. Neste Space is Only Noise, Jaar parece afastar-se um pouco das suas raízes house e minimal e baixar o ritmo das batidas, tornando a sua música bem mais ambiental do que dançável - comigo isso resultou que nem ginjas. Ouvir Space is Only Noise é para mim como uma terapia. A estrutura conceptual de Être é a melhor forma de mergulhar de cabeça neste disco. Fica-se totalmente absorvido e entra-se num transe do qual é difícil de sair uma vez que as faixas se interligam de forma extremamente fluída. A mistura de sons é incrível mas mais incrível ainda é a forma como Jaar conjuga tudo sem deixar costuras à vista. As vozes distorcidas de Problems With the Sun, os sons levemente asiáticos de Too Many Kids Finding Rain in the Dust, os ecos espaciais da faixa que baptiza o disco, a guitarra sempre cortada de Variations, a sample de Ray Charles em I Got a Woman, os pequenos ruidos orgânicos que se ouvem por todo o disco... As batidas lentas de Jaar transportam-me para um mundo interior do qual eu não quero sair e é precisamente esse o maior argumento para classificar Space is Only Noise como um dos discos do ano. |
Se o disco de Nicolas Jaar me transporta para algum lugar abstracto no meu subconsciente, o novo dos Dead Combo leva-me a um local bem concreto - Lisboa. E não, não é apenas sugestão por causa do título, Tó Trips e Pedro Gonçalves conseguiram mesmo, em 11 faixas, captar o que me parece ser a essência das várias facetas da cidade das sete colinas. A viagem inicia-se nos ritmos quentes de África (Lisboa Mulata e Cachupa Man) cuja presença está tão marcada na nossa capital desde o período dos descobrimentos mas logo deita um véu de mistério sobre a cidade (Anadamastor) e começa a explora-la de lés-a-lés: dos ambientes dúbios do Cais de Sodré (Blues da Tanga) às ruas nostálgicas e com cheiro a fado de Alfama (Esse Olhar Que Era Só Teu), da cultura popular (Marchinha do Santo António Descambado) à cultura intelectual (Ouvi o Texto Muito ao Longe - com letra escrita por Sérgio Godinho e declamada por Camané). Depois de algumas aventuras vividas com a Orquestra das Caveiras, os Dead Combo têm com Lisboa Mulata um regressar às suas origens não só geográficas (os dois músicos são lisboetas) como na forma de trabalharem só os dois recorrendo a arranjos mais simples. Foi um regressar em grande diga-se de passagem. |
Tal como disse na epifania, foi este Strange Mercy (mais especificamente Cruel e Surgeon) que me fez começar a gostar de St. Vincent. Esse é um mérito que nunca ninguém há-de tirar a este disco. Felizmente Strange Mercy é mais ambicioso do que isso e não se fica apenas por esse 'prémio de consolação'. A chave deste disco parece estar em 'strange'. A forma de cantar e tocar de Annie Clark são já de si fora do vulgar sendo que neste álbum St. Vincent quase reinventou a sua arte tornando-a ainda mais... estranha (aquele "estranho-bom"). As música, essas tanto acumulam tensão e se tornam explosivas (Surgeon, Neutered Fruit) como se mantêm naquele tom de balada com melodia delicada (Champagne Year, Dilettante). Strange Mercy é por vezes orelhudo e até dançável (Cruel) mas logo cai em depressão (Cheerleader), transforma-se em rock (Northern Lights) para mais tarde fazer lembrar algum quase-synth-pop marado (Histerical Strenght). São curiosas estas discrepâncias e a forma como resultam bem em conjunto. Apesar desta aparente mistura a coesão de Strange Mercy não fica em risco - nem o álbum perde a sua definição nem os temas a sua identidade própria. À terceira foi de vez. St. Vincent convenceu-me e concebeu um álbum digno de louvores e de destaque nas listas de 'melhores do ano'. |
Sigur Rós |
Steve Drozd |
Bonnie 'Prince' Billy |
Entre o lançamento de For Emma, Forever Ago (2008) e a data de edição deste disco bi-homónimo, Justin Vernon andou ocupado - lançou um outro EP com assinatura Bon Iver, lançou mais dois belíssimos álbuns (de outros projectos: Gayngs e Volcano Choir) e participou em temas com Kanye West e James Blake. O que poderia este homem ter ainda na manga? A resposta é Bon Iver, Bon Iver. À primeira audição, com excepção de Perth, o quase-perfeito tema de abertura, pareceu-me que não havia muito a reter deste disco. Com audições repetidas e casuais fui-me apercebido que havia qualquer coisa mais que não se captava à primeira, algo que ultrapassa a estrutura simples de uma melodia bonita e mudei de opinião... Agora, quando ouço Bon Iver, Bon Iver, perco-me nos mil-e-um pormenores minuciosos. Cada um dos oito temas possui muitas camadas de complexidade e não tinha conseguido apreende-las com uma audição isolada. A forma como o dedilhado acústico surge em Minnesotta, WI, o saxofone discreto de Holocene, umas campainhas distantes em Michicant... enfim, são demasiados bombons para enumerar. Diz-se que os pormenores fazem a diferença. Bon Iver, Bon Iver não podia ser melhor exemplo disso. Para além disso tem um dos artworks mais bonitos de sempre. |
Já no ano passado o EP homónimo do sexteto leiriense foi um dos meus lançamentos favoritos. Este ano repetem a proeza com o seu primeiro longa-duração. Chromatic, assim se chama o álbum, foi bem baptizado, os seus temas são uma paleta impressionante de cores: dos energéticos tons quentes de Primavera/Verão de Over the Sun/Under the Water e I've Been Lost aos azulados melancólicos de a While Can Be a Long Time e Glimpse com passagem pelos verdes óbvios das duas Green Grass. O videoclip de Over the Sun/Under the Water não podia ter sido melhor escolhido para fazer a apresentação deste disco. A imagética é perfeita, campos verdejantes debaixo de um sol que brilha num céu limpo e azul. Chromatic é um álbum imediato daqueles de amor à primeira audição. As melodias entram bem no ouvido e todas as peças encaixam bem umas nas outras. Sejam as guitarras ou a percussão, os jogos vocais ou as palmas e os xilofones... tudo se combina na quase perfeição de um disco pop muitíssimo bem conseguido. Afonso Cabral, David Santos, João Gil, Luís Costa, Salvador Meneses e Tomás Sousa criaram uma espécie terapia em forma disco. Que bom que é ter a sensação de liberdade de um mundo solarengo à distância de uma música. |
Os Mogwai deram em Paredes de Coura um dos concertos do ano, mas isso nada tem a ver com a presença deles nesta 'lista'. Ou talvez tenha, mas isso não é importante, nunca disse que estas escolhas seriam imparciais. O que importa é que, independentemente do concerto incrível, os escoceses mais famosos do post-rock lançaram um disco e pêras que, já agora, tem um dos melhores títulos de sempre. Nota-se que os Mogwai quiseram experimentar coisas novas - quebraram convenções, correram riscos e saiu-lhes tudo bem. As diferentes influências são orgulhosamente assumidas. Desde toques electrónicos (mais audíveis nas vozes distorcidas de Mexican Grand Prix e George Square Thatcher Death Party) à sua veia mais metaleira (You're Lionel Richie) passando pelos temas mais melodiosos (White Noise, Letters to the Metro) e mais rockeiros (Rano Pano, San Pedro) sem esquecer a apoteose de How to Be a Werewolf lá pelo meio. Ao abandonarem aquela fórmula convencional do post-rock (os lentos crescendos que culminam numa explosão apoteótica) os Mogwai corriam o risco de tirar intensidade à sua música. Ao invés disso, o que aconteceu foi um aumento da imprevisibilidade e consequentemente um maior impacto de cada tema. Há música que não é feita para ser ouvida mas para ser apreciada. Encaixo este álbum nessa categoria. Hardcore Will Never Die, But You Will é um disco que marca. |
PJ Harvey |
Bibio |
Norberto Lobo |
avulso (latim avulsus, -a, -um, separado, arrancado)
adj.
isolado, solto, desconexo, desirmanado.
Antes ainda da actuação dos Battles seria dos canadianos Suuns a honra de subir ao palco para apresentar o seu primeiro álbum - Zeroes QC. Para além do rock que serve de base ao som dos Suuns não é difícil encontrar vestígios de electrónica, industrial, drone, post-punk ou kraut sendo alguns destes elementos mais evidentes nuns temas do que noutros. Esta diversidade torna o som dos canadianos difícil de definir e talvez por me identificar mais com algumas vertentes do que com outras me pareceu um espectáculo com altos e baixos. Ainda assim a apreciação global foi bastante positiva e fiquei com vontade de explorar o repertório da banda confiante de que se irá fazer cumprir a velha máxima "primeiro estranha-se e depois entranha-se". Foi ainda durante o concerto dos Suuns que um grupo de corajosos irrequietos se aventurou para a frente do palco abandonando as cadeiras que pouco sentido faziam neste Clubbing. Era esse o mote que faltava e num instante aquele espaço livre ficou preenchido de gente ansiosa por deixar as cadeiras para trás e de não voltar mais a elas nesta noite. Os Battles apresentaram Gloss Drop pela segunda vez em palcos nacionais perante uma sala praticamente a abarrotar. Como seria de esperar, o alinhamento do concerto pouco diferiu do espectáculo de Paredes de Coura. Apesar de tudo, objectivamente diria que este concerto foi superior tanto em termos de performance como de intensidade. Porquê? Em primeiro lugar o som robusto dos Battles ganha ainda mais corpo numa sala fechada como a Sala Suggia - comparando os dois concertos, o da Casa da Música sai a ganhar por muitos em termos de intensidade sonora. Outro ponto que marcou a diferença foi o tom mais experimental que o trio adoptou nalguns temas quando em Paredes me pareceram mais agarrados ao disco. Por fim importa referir o alongado encore (que em Paredes não existiu) que aqui permitiu encerrar o concerto com Sundome, a última faixa de Gloss Drop. Ainda assim, talvez pelo impacto da primeira vez ou pelo ambiente diferente, vibrei bastante mais no concerto de Paredes. |
avulso (latim avulsus, -a, -um, separado, arrancado)
adj.
isolado, solto, desconexo, desirmanado.